Recuperação Judicial e Alienação do Fundo de Comércio

Caso Exemplo

Assunto: Grupo de empresas com CNPJs distintos, possuindo débitos tributários, busca recuperação judicial e alienação de fundos de comércio, visando proteger compromissos trabalhistas e reestruturar suas atividades,  com  objetivo de preservar a atividade e consequentemente os empregos.

 

Resumo do Caso

O presente texto tem a finalidade esclarecer a viabilidade de um grupo de empresas, que possui débitos tributários, requerer recuperação judicial com a finalidade de alienar judicialmente fundos de comércio, evitando a sucessão tributária. O grupo de empresas em questão é composto por diversas entidades jurídicas com CNPJs distintos, todas enfrentando dificuldades financeiras relacionadas a tributos como ICMS, PIS, COFINS, CSLL e IRPJ. Importante destacar que, apesar dos débitos tributários, essas empresas não possuem dívidas com particulares, mas têm compromissos financeiros relevantes com seus empregados, incluindo salários, INSS, FGTS, férias, entre outros.

 

O grupo de empresas busca utilizar o instituto da recuperação judicial como um mecanismo para reestruturar suas atividades e superar a crise econômico-financeira. A recuperação judicial, prevista na Lei nº 11.101/2005, tem como objetivo viabilizar a superação da crise da empresa devedora, permitindo a manutenção da fonte produtora, dos empregos e dos interesses dos credores. A peculiaridade deste caso reside no fato de que o grupo empresarial pretende realizar a alienação judicial de alguns de seus fundos de comércio. O valor obtido com a venda desses ativos será pago em juízo, visando à satisfação dos débitos trabalhistas e tributários, sem que haja a transmissão das obrigações tributárias para os adquirentes dos fundos de comércio (não ocorrência da sucessão tributária).

 

A situação apresentada envolve a análise da possibilidade jurídica de se aplicar a recuperação judicial a um grupo de empresas, considerando a existência de múltiplos CNPJs e a necessidade de evitar a sucessão tributária. A alienação judicial de ativos, neste contexto, deve ser cuidadosamente examinada à luz do princípio da preservação da empresa e da proteção aos interesses dos credores trabalhistas e fiscais.

 

Ademais, a questão dos compromissos financeiros com os empregados merece atenção especial. A legislação trabalhista e previdenciária impõe obrigações rigorosas às empresas, e a recuperação judicial deve assegurar que os direitos dos trabalhadores sejam preservados. A alienação judicial de fundos de comércio pode ser uma estratégia eficaz para levantar recursos e honrar esses compromissos, desde que realizada de forma transparente e em conformidade com as disposições legais aplicáveis.

 

O breve texto visa analisar a viabilidade jurídica da recuperação judicial para o grupo de empresas, com foco na alienação judicial de fundos de comércio e na prevenção da sucessão tributária. O objetivo é proporcionar uma orientação clara e fundamentada sobre os procedimentos legais e as implicações dessa estratégia, garantindo a proteção dos interesses de todas as partes envolvidas e a conformidade com a legislação brasileira.

 

 Do Mérito

Para tratar da situação jurídica apresentada, é fundamental compreender a legislação brasileira aplicável ao processo de recuperação judicial e à alienação de ativos, bem como os procedimentos e estratégias que poderão ser adotados pelo grupo de empresas.

 

A recuperação judicial é regida pela Lei nº 11.101/2005, que estabelece o procedimento para que empresas em crise possam se reestruturar, negociar suas dívidas e evitar a falência. O objetivo principal da recuperação judicial é a preservação da empresa, a manutenção dos empregos e a satisfação dos credores.

 

O artigo 47 da Lei de Recuperação Judicial e Falências (LRF) estabelece que “a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.

 

Uma das estratégias a serem consideradas pelo grupo de empresas é a alienação judicial de alguns de seus fundos de comércio. Essa medida visa gerar recursos financeiros para o pagamento das dívidas prioritárias, especialmente as trabalhistas e tributárias. A alienação judicial pode ser uma forma eficiente de evitar a sucessão tributária, conforme previsto no artigo 133 do Código Tributário Nacional (CTN), que trata da responsabilidade tributária nos casos de alienação de estabelecimentos comerciais.

 

O artigo 133 do CTN dispõe que “a pessoa jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até a data do ato”. No entanto, a alienação judicial realizada no âmbito da recuperação judicial pode oferecer uma proteção contra essa sucessão, desde que observados os requisitos legais e procedimentais estabelecidos.

 

A Lei nº 11.101/2005, em seu artigo 60, prevê a possibilidade de alienação de ativos durante a recuperação judicial: “A alienação de bens ou direitos do ativo não circulante, isoladamente ou em bloco, incluída a alienação da empresa ou de suas filiais ou unidades produtivas isoladas, poderá ser realizada durante a recuperação judicial, observando-se o disposto no plano de recuperação judicial, desde que aprovada pela assembleia-geral de credores”.

 

Essa alienação judicial deve ser conduzida de forma transparente e competitiva, garantindo a obtenção de valores justos e compatíveis com o valor de mercado dos fundos de comércio. O valor obtido com a venda dos ativos será depositado em juízo, conforme estabelece o artigo 54 da LRF, que determina a prioridade dos créditos trabalhistas e decorrentes de acidentes de trabalho.

 

A proposta de recuperação judicial deverá incluir um plano de recuperação detalhado e viável, contemplando a alienação dos fundos de comércio e o pagamento dos débitos prioritários. Esse plano deve ser aprovado pela assembleia-geral de credores, conforme disposto no artigo 56 da LRF, que estabelece que “o plano de recuperação judicial será submetido à aprovação dos credores, reunidos em assembleia-geral, nos termos dos artigos 36 a 42 desta Lei”.

 

A cooperação dos credores tributários será fundamental para o sucesso do plano de recuperação, sendo necessário avaliar a possibilidade de obtenção de aprovações judiciais e administrativas para a alienação dos ativos, bem como a formalização de acordos que viabilizem a recuperação judicial.

 

É essencial considerar a contratação de assessoria especializada, tanto jurídica quanto financeira, para auxiliar na condução do processo de recuperação judicial e na elaboração do plano de recuperação.

 

Ademais, é importante ressaltar que o plano de recuperação judicial deve ser elaborado com base em uma análise minuciosa dos ativos a serem alienados, das condições de mercado e da receptividade dos potenciais adquirentes. A transparência e a competitividade do processo de alienação são fundamentais para garantir a obtenção de valores justos e compatíveis com o valor de mercado dos fundos de comércio.

 

Por fim, a recuperação judicial, com a alienação dos fundos de comércio, apresenta-se como uma alternativa viável para equilibrar as finanças do grupo de empresas, preservar os empregos e assegurar a continuidade das atividades empresariais. A intenção do grupo de empresas de demonstrar ao judiciário e aos credores sua boa-fé e comprometimento com a reestruturação financeira é um aspecto positivo que deve ser destacado no processo de recuperação judicial.

 

Estruturação do Plano de Recuperação Judicial

A estruturação do plano de recuperação judicial é um passo crucial para o sucesso do processo. Esse plano deve ser elaborado em conformidade com os artigos 53 a 54 da LRF, que determinam os requisitos e conteúdos mínimos que devem constar no plano.

 

O artigo 53 da LRF especifica que o plano de recuperação judicial deve conter, dentre outros elementos, “a discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados, seu resumo e os laudos econômico-financeiros e de avaliação dos bens e ativos do devedor”.

 

Além disso, a LRF, estabelece que o plano deve apresentar “as demonstrações contábeis relativas ao último exercício social e as levantadas especialmente para instruir o pedido de recuperação judicial”. Isso implica que o grupo de empresas deve fornecer informações financeiras transparentes e atualizadas, demonstrando a viabilidade do plano proposto e a capacidade de geração de caixa após a alienação dos ativos.

 

Alienação Judicial e a Não Sucessão Tributária

A alienação judicial do fundo de comércio deve ser conduzida observando-se rigorosamente os procedimentos estabelecidos pela LRF e pelo CTN para evitar a sucessão tributária. Conforme mencionado anteriormente, o artigo 133 do CTN prevê a responsabilidade tributária do adquirente nos casos de alienação de estabelecimentos comerciais. No entanto, a alienação judicial realizada no âmbito da recuperação judicial pode mitigar essa sucessão, desde que cumpridos os requisitos legais.

 

O artigo 60, parágrafo único, da LRF esclarece que “a alienação de ativos realizada na forma prevista no caput deste artigo não acarretará a sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária”. Portanto, é essencial que o processo de alienação seja realizado de acordo com o plano de recuperação judicial aprovado pela assembleia-geral de credores, garantindo a proteção do adquirente contra a sucessão tributária.

 

Negociação com Credores Tributários

A negociação com os credores tributários será um aspecto fundamental para o sucesso do plano de recuperação judicial. O grupo de empresas deve buscar formalizar acordos que permitam a quitação das dívidas tributárias de forma parcelada ou com possíveis reduções de juros e multas, conforme permitido pela legislação tributária.

 

A Lei nº 13.988/2020, conhecida como Lei do Contribuinte Legal, trouxe importantes inovações no que se refere à transação tributária, permitindo a negociação de dívidas tributárias com a União, inclusive no âmbito da recuperação judicial. O artigo 1º dessa lei estabelece que a transação pode envolver “a concessão de descontos, a prorrogação de prazos e o oferecimento de garantias ou substituição das que foram originariamente constituídas”.

 

Portanto, é recomendável que o grupo de empresas explore as possibilidades de transação tributária oferecidas pela Lei nº 13.988/2020, art. 11, §5º, buscando acordos que viabilizem o pagamento das dívidas fiscais de forma compatível com a sua capacidade financeira.

 

Prioridade dos Créditos Trabalhistas

A prioridade dos créditos trabalhistas é uma questão de suma importância no processo de recuperação judicial. Conforme o artigo 54 da LRF, os créditos trabalhistas e aqueles decorrentes de acidentes de trabalho têm prioridade no recebimento dos valores obtidos com a venda dos ativos.

 

O grupo de empresas deve assegurar que os recursos gerados pela alienação dos fundos de comércio sejam utilizados prioritariamente para a quitação das obrigações trabalhistas, incluindo salários, INSS, FGTS e férias. Essa medida é essencial para garantir a manutenção dos empregos e a proteção dos direitos dos trabalhadores, além de demonstrar boa-fé e comprometimento com a reestruturação financeira.

Conclusão

Diante do exposto, é evidente que a recuperação judicial com a alienação do fundo de comércio apresenta-se como uma alternativa viável para alguns casos como no exemplo. A estratégia de alienação judicial, conduzida de forma transparente e competitiva, pode gerar os recursos necessários para a quitação das dívidas prioritárias, especialmente as trabalhistas e tributárias, evitando a sucessão tributária e garantindo a continuidade das atividades empresariais.

 

A elaboração de um plano de recuperação detalhado e viável, a negociação com os credores tributários, a garantia da prioridade dos créditos trabalhistas e a aprovação do plano pela assembleia-geral de credores são etapas essenciais para o sucesso do processo de recuperação judicial.

 

Em caso como exemplificado, recomenda-se que o grupo de empresas inicie o processo de recuperação judicial o mais breve possível, adotando as estratégias e medidas mencionadas para garantir a reestruturação financeira, a preservação dos empregos e a continuidade das atividades empresariais.

Elogios, Críticas ou Sugestões

NATAL MORO FRIGI

Advogado Especialista em Direito Tributário, Especialista e Direito Penal e Processo Penal, Contabilista, Sócio Fundador da Tolentino & Moro Frigi Advogados Associados

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