STF ABRE POSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO POR CRIME IMPOSSÍVEL


O Supremo Tribunal Federal, em 18/12/2019, ao apreciar Recurso Ordinário em Habeas Corpus 163.334/SC , que discutia a prisão, ou não, de contribuinte inadimplente com o recolhimento de ICMS, enquadrou tal fato como crime contra a ordem tributária, previsto no art. 2º, II da Lei 8.137/90 , conforme esta ementa:
Ementa:
DIREITO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. NÃO RECOLHIMENTO DO VALOR DE ICMS COBRADO DO ADQUIRENTE DA MERCADORIA OU SERVIÇO. TIPICIDADE
1. O contribuinte que deixa de recolher o valor do ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço apropria-se de valor de tributo, realizando o tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990.
2. Em primeiro lugar, uma interpretação semântica e sistemática da regra penal indica a adequação típica da conduta, pois a lei não faz diferenciação entre as espécies de sujeitos passivos tributários, exigindo apenas a cobrança do valor do tributo seguida da falta de seu recolhimento aos cofres públicos.
3. Em segundo lugar, uma interpretação histórica, a partir dos trabalhos legislativos, demonstra a intenção do Congresso Nacional de tipificar a conduta. De igual modo, do ponto de vista do direito comparado, constata-se não se tratar de excentricidade brasileira, pois se encontram tipos penais assemelhados em países como Itália, Portugal e EUA.
4. Em terceiro lugar, uma interpretação teleológica voltada à proteção da ordem tributária e uma interpretação atenta às consequências da decisão conduzem ao reconhecimento da tipicidade da conduta. Por um lado, a apropriação indébita do ICMS, o tributo mais sonegado do País, gera graves danos ao erário e à livre concorrência. Por outro lado, é virtualmente impossível que alguém seja preso por esse delito.
5. Impõe-se, porém, uma interpretação restritiva do tipo, de modo que somente se considera criminosa a inadimplência sistemática, contumaz, verdadeiro modus operandi do empresário, seja para enriquecimento ilícito, para lesar a concorrência ou para financiar as próprias atividades.
6. A caracterização do crime depende da demonstração do dolo de apropriação, a ser apurado a partir de circunstâncias objetivas factuais, tais como o inadimplemento prolongado sem tentativa de regularização dos débitos, a venda de produtos abaixo do preço de custo, a criação de obstáculos à fiscalização, a utilização de “laranjas” no quadro societário, a falta de tentativa de regularização dos débitos, o encerramento irregular das suas atividades, a existência de débitos inscritos em dívida ativa em valor superior ao capital social integralizado etc.
7. Recurso desprovido.
8. Fixação da seguinte tese: O contribuinte que deixa de recolher, de forma contumaz e com dolo de apropriação, o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990.

A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal por seu Tribunal Pleno, sob a presidência do Ministro Dias Toffoli, na conformidade da ata de julgamento, por maioria de votos, em negar provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio. Revogada a liminar anteriormente concedida. Em seguida, por maioria de votos, em fixar a seguinte tese: “O contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2°, II, da Lei n° 8.137/1990”, vencido o Ministro Marco Aurélio. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello.
Brasília, 18 de dezembro de 2019.

I – BREVES ESCLARECIMENTOS

Incialmente, destaca-se que a decisão se baseia em premissa errada, levando à conclusão equivocada (também errada).
Para melhor demonstrar as premissas erradas tomadas para solução da demanda, destaco os pontos 1, 3, 5, 6 e 8 a seguir que, mais adiante, farei com relação ao voto do Ministro Relator, Luís Roberto Barroso:
1 – Em verdade, o comerciante não cobra o imposto (ICMS) do consumidor, mas logicamente o custo deste poderá ter sido incluído na composição do preço final. Sobre o total da composição do custo do produto, aplica-se a alíquota do ICMS, que não é o valor a ser recolhido ao Estado, em razão do princípio da não-cumulatividade do ICMS.
Exemplo de Apuração do ICMS:
O produto ‘A’, adquirido por R$ 2.000,00, gerou crédito de ICMS de R$ 340,00; foi revendido por R$ 3.000,00 (débito de ICMS R$ 510,00 destacado na NF).
Valor a Recolher: 510,00 – 340,00 = 170,00, que deverá ser recolhido.
A não-cumulatividade foi totalmente ignorada na apreciação do RHC 163334/SC.
Vejam, leitores, que não há como tratar de ICMS sem primeiramente obedecer aos critérios de apuração, baseando-se no princípio da não-cumulatividade.

3 – Infelizmente, não vemos, na nossa humilde opinião, a inexistência norma para o caso, a ensejar que o STF faça o papel de legislador positivo (com usurpação de poder). Existe norma sim, todavia a Suprema Corte tenta legislar em matéria tributária penal, interpretada erroneamente, como se o ICMS a recolher pelo contribuinte fosse retido do consumidor, como ocorre, por exemplo, com o IRRF (de pessoa física ou jurídica), CSLL, Pis, Cofins, ISSQN e INSS de prestadores de serviços para pessoas jurídicas.
Aplica-se a previsão do art. 2º, inciso II, da Lei 8.137/90 , na hipótese dos tributos federais mencionados acima, quando forem descontados pelos tomadores dos prestadores de serviços. Nesta hipótese, pode haver apropriação, caso o tomador dos serviços não recolha o valor retido ao Ente competente, no prazo legal.
No caso do ICMS, ele não é cobrado e nem retido do consumidor. Ainda assim, a Suprema Corte, legislando em matéria penal, por não dominar o regramento do ICMS proferira a equivocada decisão (PREMISSA ERRADA = RESULTADO ERRADO (JULGAMENTO).

5 – Mesmo que se admita equivocada decisão, fundada no art. 2º, II, da Lei 8.137/90 para o ICMS (que tenha sido regularmente declarado ao fisco), estamos diante de expressão em aberto e indeterminada: inadimplência sistemática, contumaz!?
Para tentar demonstrar o que estamos a dizer, segue o exemplo: A empresa “A”, em funcionamento há 30 anos, deve 15 competências de ICMS (declarado ao fisco). A empresa “B”, em funcionamento há 5 anos, deve também 15 competências de ICMS (declarado ao fisco). Neste exemplo, quem é o sistêmico e contumaz devedor inadimplente?
Vejam que quando juiz julga e deixa em aberto a decisão, não solucionou a lide, mas, sim, legislou mau (usurpou poderes do congresso) e deixou mais dúvidas e questionamentos, em vez de resposta aos jurisdicionados e, o pior, possibilitando a criminalização sem norma penal tipificadora.

6 – Não esclarece que o contribuinte não tem que provar que não agiu com dolo em não ter recolhido o ICMS declarado! Cabe à acusação provar o suposto crime! Pois, o simples inadimplemento no recolhimento do ICMS declarado, por si só, não caracteriza crime algum.
Mesmo que se ‘apure as circunstâncias objetivas’, ainda assim estaremos diante de premissa equivocada, tendo em vista que o ICMS não é cobrado do consumidor final, nem mesmo retido. Apenas o seu valor pode, ou não, fazer parte da composição do preço final ao consumidor.
Se fosse o caso de se acatar o entendimento do RHC 163334/SC, incumbiria ao órgão acusador, no caso concreto, provar que o contribuinte incluiu no preço total do produto o valor do ICMS.

8 – Como já dito e exemplificado ao longo deste pequeno texto, o ICMS, em regra geral, pode, ou não, compor o preço final do produto, e após esta composição do custo final, aplica-se a alíquota efetiva, e seu valor deve ser destacado/informado na nota fiscal. Mas não existe norma jurídica determinando a inclusão do ICMS na composição do preço!
O valor destacado na nota fiscal não é o somatório devido ao Estado, nem mesmo valor que teria sido retido ou cobrado do adquirente do produto (como consta na errônea interpretação do relator do RHC), conforme exemplo de apuração descrito no item 1.
Superado e esclarecido que o STF apreciou equivocadamente quanto ao ICMS, e firmar o entendimento de que o imposto é cobrado do consumidor.
Ademais, como já referido, não existe amparo legal para a tese do STF. Vale lembrar que, no caso de concessionária de serviço público de fornecimento de energia elétrica, até poderia ser aplicada a tese firmada no RHC 163334/SC, tendo em vista que há a previsão legal nos parágrafos 2º e 3º do art. 9º da Lei 8.987/1995 , prevendo que o consumidor final assume o custo da tributação do ICMS, do PIS e da Cofins sobre a energia elétrica. Ainda assim, não se trata de retenção, mas do repasse de custo da tributação, que não é o caso do ICMS, diante da ausência de previsão legal.
Feitas estas breves considerações, estamos diante de um crime impossível de ser cometido pelo contribuinte (desde que tenha declarado corretamente ao fisco), pelos motivos já apontados e outros por ser apresentados.
O simples fato do ICMS estar destacado no NF não é prova de que é devido ao Estado (deve apurar-se pelo regime não-cumulativo) nem mesmo de que tenha sido incluído no preço do produto cobrado ao consumidor. Daí decorre que o STF ao julgar do modo acima apresentado, não somente legislou, mas desrespeitou o princípio da não-cumulatividade, previsto no art. 155, §2º, I, da Magna Carta.
II – DA NÃO-CUMULATIVIDADE DO ICMS
A não-cumulatividade do ICMS é princípio constitucional e, o STF não só deve proteger, mas também respeitá-lo, conforme previsão no art. 155, §2º, I, da Magna Carta, in verbis:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993).
II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993).
I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal.

Para Hugo de Brito Machado, a não cumulatividade trata-se de princípio constitucional e que deverá obedecer às regras, para sua aplicabilidade em obediência ao fim que se destina tal modalidade, que é a não-cumulatividade:
A não-cumulatividade pode ser encarada como princípio e também como técnica. É um princípio, quando enunciada de forma genérica, como está na Constituição. Nos dispositivos que a mencionam, embora já esteja de certa forma definida o que se deve entender por não-cumulatividade, não está estabelecido exaustivamente o modo pelo qual esta será efetivada. Não se estabelece técnica, tem-se simplesmente o princípio.

Para José Eduardo Soares de Melo, a não-cumulatividade é direito constitucional do contribuinte, vejamos:
A estrutura de um regime não-cumulativo pressupõe – de modo lógico, natural, e jurídico – a adoção de critérios consistentes em determinadas posturas que objetivem evitar a cumulação das cargas tributárias, e mecanismos hábeis e eficazes para a sua plena operacionalidade.

Yoshiaki Ichihara entende que “o legislador infraconstitucional não é livre para estabelecer perfis de tributos distintos do previsto no Texto Constitucional, em face do princípio da estrita legalidade que orienta o sistema tributário nacional”.
Ainda corroborando, o mestre Maurício Barros, nos remete ao seguinte apontamento:
Com efeito, a não-cumulatividade é corolário do princípio da capacidade contributiva, tendo em vista que somente com a técnica não-cumulativa na tributação plurifásica se poderá aferir a real capacidade contribuir do sujeito passivo. A não-cumulatividade deve ser entendida como verdadeiro princípio constitucional, na categoria dos limites objetivos que tendem a preservar outros princípios que trazem valores (capacidade contributiva). Dessa forma, a lei infraconstitucional não poderia vedar, ou sequer restringir o crédito do montante incidente na operação anterior, pois a Constituição Federal determina que deverá ser observado o princípio da não-cumulatividade, facultando-se à lei ordinária, tão somente, a indicação dos setores da atividade econômica os quais estarão submetidos ao regime não-cumulativo.

Ainda no interesse de fomentar o debate quanto ao julgado do RHC em questão, que está totalmente em descompasso com nosso ordenamento, aponto os entendimentos de outros autores quanto à não-cumulatividade:
Este é o principal princípio do ICMS, qual seja, o princípio da não cumulatividade. Toda vez que a mercadoria é comprada e revendida, o valor do imposto que foi pago na compra será descontado (creditado) do valor do imposto devido na revenda.

Martins, Humberto. ICMS: Teoria e Prática para Profissionais e Concursos. Edição do Kindle.

O ICMS é um tributo que se sujeita a vários princípios de direito tributário, tais como irretroatividade, legalidade, reserva legal, entre outros. Todavia, o princípio que efetivamente faz parte da caracterização do próprio tributo, que faz parte de sua essência, é o princípio da não-cumulatividade. Em síntese, o princípio da não-cumulatividade é aquele que pretende tributar apenas o valor agregado. Em outras palavras é o princípio que impede a ocorrência do “efeito cascata”, compensando-se o que é devido em cada operação com o montante cobrado nas operações anteriores. Impede que o imposto o efeito do imposto se acumule.

Quintans, Luiz Cezar. ICMS: Aplicavel a todos os Estados (pp. 18-19). Unknown. Edição do Kindle.

Trata-se do método Crédito de Tributo, que é popularmente chamado “imposto contra imposto”, ou seja, imposto descontado de imposto, imposto, já que o exato valor do imposto cobrado na operação anterior, que vai destacado na nota fiscal da operação, servirá de crédito ao adquirente para descontar o imposto devido por ele (adquirente) na revenda da mercadoria, ou em outras atividades tributáveis pelo ICMS. A veiculação do regime não cumulativo tem o fim único e específico de inviabilizar o efeito cascata do ICMS incidente sobre cada uma das etapas mercantis de uma determinada cadeia. Não fosse assim, os preços finais de bens e serviços estariam artificialmente inflados e, logicamente, impediriam a fluidez comercial.

Bergamini, Adolpho. ICMS: análise de legislação, manifestações de administrações tributarias, jurisprudência administrativa e judicial e abordagem de temas de gestão tributária. Edição do Kindle.

Feitas as breves considerações anteriores, passo a destacar alguns pontos tomados pelo relator e que contribuiu para induzir a erro os demais ministros que com ele concordaram.

III – DOS ERROS DO VOTO DO RELATOR e TRECHOS DOS VOTOS VENCIDOS

Nestes pontos, recorto e aponto as considerações/conclusões claras de que o voto relator, baseado em premissas totalmente equivocadas, conduziu à resultado que poderá dar margem à condenação de alguém por crime impossível de ser cometido, com base no atual ordenamento.
13. Trata-se, portanto, de crime próprio, que somente pode ser cometido, na qualidade de autor, por quem detenha a condição de sujeito passivo da obrigação tributária. O tipo penal, porém, não distingue entre sujeito passivo direto ou indireto, substituto ou substituído tributário, contribuinte e responsável etc. Não havendo distinção legal, não cabe ao intérprete fazê-la. Assim, todo e qualquer sujeito passivo de obrigação tributária pode ser sujeito ativo do delito. Por conseguinte, o comerciante, na condição de contribuinte de ICMS, é potencial sujeito ativo do delito do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990.

Conforme já demostrado, débito de ICMS não se enquadra no enunciado da art. 2º, II, da Lei 8.137/1990, pois não é cobrado e nem mesmo retido do consumidor.

17. Em outros termos, se o tipo prescrevesse a conduta de “deixar de repassar tributo cobrado de alguém”, seria mais convincente o argumento de que esse alguém haveria de ser sujeito passivo da obrigação tributária. Mas não: o tipo se refere a “valor de tributo”, valor esse que pode ser economicamente repassado ao adquirente da mercadoria ou serviços no caso do ICMS.

O valor do ICMS não é cobrado do consumidor final, pode até ser considerado como custo de aquisição do produto e, quando da apuração mensal desconta-se o total pago, incidido nas operações de entradas (compras). O encontro das contas de ICMS créditos (entradas/compras) e o ICMS saídas (vendas) será o ICMS a recolher (o contribuinte/empresa deve ao Estado), ou pode ser a recuperar (o contribuinte tem créditos junto ao Estado).
18. A conduta típica é mista, composta de uma ação, consistente na cobrança ou desconto do valor do tributo devido, seguida de uma omissão, o “deixar de recolher” o valor cobrado ou descontado. Por consequência, estará afastado o crime se o sujeito passivo demonstrar que, por qualquer razão, não recebeu efetivamente do adquirente o valor do tributo ou não lhe transferiu o encargo econômico do tributo.

Sempre voltando à premissa equivocada de que o ICMS é cobrado ou descontado do consumidor, o relator acabou fazendo o papel de legislador positivo, na ausência de norma. Pior que isso, lançou o ônus da prova ao contribuinte/comerciante! Como provar fato negativo? E mesmo que existente, tal prova é da acusação; o valor apurado (que não é o destacado na nota fiscal) não fora cobrado ou descontado do consumidor.
20. Sobre a tipicidade da omissão no recolhimento do valor de tributo descontado não há controvérsia. É o que ocorre, v. g., em casos de retenção na fonte. Pense-se no imposto de renda, que, nos termos do art. 7º, I, da Lei nº 7.713/1988, deve ser retido pela fonte pagadora por ocasião do pagamento dos rendimentos do trabalho assalariado. O empregador desconta, ao pagar o salário, o valor do tributo devido.

Neste ponto, destaca-se que o próprio Relator cita, equivocamente, como fundamentação o exemplo do IRRF – Imposto de Renda Retido na Fonte, citando a norma que obriga a fonte pagadora a fazer (proceder) a retenção e o respectivo recolhimento. Nessa hipótese, se não houver o recolhimento, aquele que fez a retenção pode, em tese, responder por crime tributário.
No exemplo destacado, veja que quem pratica a retenção é quem PAGA (tomador/contratante do serviço) e não quem recebe (empregado/prestador do serviço). No caso do ICMS, o contribuinte/empresa que recebe o preço do comprador final (consumidor) não há a possibilidade fática ou jurídica de praticar a retenção. (É crime impossível de ser cometido pelo comerciante). Como demonstrado, a retenção de imposto e ou contribuição só é possível por quem faz o pagamento. Exemplificando ainda mais:
“A” é pessoa jurídica e contrata “B” que também é pessoa jurídica para lhe prestar serviços de engenharia. “A”, ao efetuar pagamento a “B,” reterá IRRF, CSLL, Pis, Cofins e ISSQN, a depender de norma local. Vejam, só há possibilidade de retenção por parte de “A”, que é quem paga pelo serviço. Portanto, (no caso de ICMS, trata-se de) crime impossível de ser cometido pelo comerciante (que recebe pela venda realizada). Daí a absurda decisão em debate.
27. Assim, percebe-se a razão pela qual a conduta não se equipara a um mero inadimplemento tributário. É preciso, de fato, algo mais para caracterizar o injusto penal. No âmbito do direito penal tributário, essa especial reprovabilidade está presente, por razões diferentes, tanto na sonegação fiscal como na apropriação indébita tributária. 28. Na sonegação tributária, a reprovabilidade se extrai da prática de fraude, de simulação ou de omissão; de atos dolosos, enfim, voltados a subtrair do Estado o conhecimento acerca da existência da própria obrigação tributária ou de seus elementos.
29. Já na apropriação indébita tributária, a censurabilidade da conduta decorre da circunstância de que o agente toma para si um valor que não lhe pertence, ao qual teve acesso pelo único e específico motivo de lhe ter sido atribuído o dever de recolher o tributo. Diferentemente do delito do art. 1º, o tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990 não requer fraude. Considerando que, de acordo com a jurisprudência do STF, o valor do ICMS pago pelo consumidor final jamais pertenceu ao contribuinte, tratando-se de um mero ingresso temporário em sua contabilidade, o não recolhimento do imposto caracteriza apropriação indébita.

Não precisamos sequer pensar para vermos a absurda afirmação acima transcrita, haja vista que para haver sonegação, deveria o valor do ICMS ser ocultado ao fisco pelo contribuinte, pois, se foi declarado corretamente ao fisco não é sonegação, não passa de mero inadimplemento no recolhimento. Não se trata de apropriação indébita. Com efeito, se está diante de crime impossível de ser cometido pelo comerciante, pois ele não paga ao consumidor, mas recebe daquele o preço da mercadoria vendida, conforme acima exemplificado.

46. Não é incomum no direito comparado, pois, a existência de tipos penais que criminalizam a falta de repasse ao erário de valores recolhidos a título de tributo.

Vemos como uma lástima a afirmativa acima, se a tomarmos como possível a hipótese de criação de tipo penal pelo STF, pela interpretação do judiciário, agindo como legislador positivo, (usurpando o poder de congresso) corre-se o risco da aplicação da pena de morte, prisão perpétua para crimes de homicídio e tráfico de drogas. A nossa Magna Carta não permite ao julgador aplicar pena não prevista em norma interna, infraconstitucional.
Lamentável a utilização de normas extraterritoriais, a pretexto de “direito comparado”, para criminalizar ato não tipificado em norma interna, abrindo-se, dessa forma, sempre a possibilidade de o julgador não seguir a Constituição Federal. Citar normas da Itália, Portugal, Estados Unidos da América e outros países, para criminalizar o que não é crime, é simplesmente confundir alhos com bugalhos e ferir a Magna Carta.
VOTO GILMAR MENDES
Isso significa que o mero dolo de não recolher o tributo, de uma forma genérica, é insuficiente para preencher o tipo subjetivo do art. 2º, inciso II, da Lei 8.137/1990, sendo necessária a presença de uma vontade de apropriação fraudulenta dos valores do fisco para materializar o elemento subjetivo especial do tipo em apreço. Tal animus se manifesta pelo ardil de omitir e/ou alterar os valores devidos e se exclui, logicamente, com a devida declaração da espécie tributária junto aos órgãos da administração fiscal.
Como sempre, bom garantista, o ilustríssimo Ministro Gilmar Mendes já aponta que o devedor de ICMS não se enquadra na previsão do inciso II, do art. 2º da Lei 8.137/1990, desde que tenha declarado o ICMS ao fisco.

Segue na acertada fundamentação:
No caso em tela, o tipo objetivo se caracteriza pelo não recolhimento do tributo devido, e o elemento subjetivo especial pela apropriação fraudulenta dos valores que se manifesta pela ausência de sua devida declaração.
Sendo assim, quando uma clara demonstração do liame subjetivo entre autor e fato não é suficientemente levada a cabo pela acusação – e é este aqui o caso –, estar-se-á diante de uma verdadeira imputação criminal pelo mero inadimplemento de uma dívida fiscal.
Como frisei no julgamento do RE-RG 574.706, que discutia a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS-Cofins, oportunidade em que fui voto vencido, é certo que, em notas fiscais, destaca-se o valor do ICMS do valor das mercadorias e serviços (art. 13, § 1º, I, da Lei Complementar 87/1996). No entanto, esta indicação para fins de controle e de aplicação da sistemática da não cumulatividade não significa que o ICMS deixe de compor o preço de venda das mercadorias.
Ressalta-se que o ICMS não funciona como imposto retido. Isso quer dizer que o ICMS não é recolhido automaticamente com a ocorrência da operação comercial, mas é recebido pelo vendedor, que integra ao seu caixa, ao seu patrimônio e, apenas ao término do período de apuração, repassa-o ao Estado, depois de considerada a compensação de créditos. Em síntese, o valor referente ao ICMS destacado em nota fiscal não é transferido automaticamente, nem é vinculado ao recolhimento do tributo como se permanecesse intangível no caixa do contribuinte de direito até sua entrega ao erário estadual.
Na realidade, ele constitui disponibilidade econômica que integra o preço e é empregado consoante o discernimento do vendedor, ainda que eventualmente seja contabilizado o ônus tributário, após consideração dos respectivos créditos no período de apuração.
Posto isso, não se pode compreender o contribuinte de direito como um mero intermediário, recebendo o ICMS do contribuinte de fato e entregando-o, prontamente, ao Estado. Não procede, portanto, a afirmação de que haveria um mero trânsito do ICMS na contabilidade da empresa.
Nessa linha, destaca-se o parecer de Alamiro Velludo Salvador Neto sobre a questão ora discutida, datado de 15 de janeiro de 2019:

“O tipo penal do artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8137/1990, no que se refere ao ICMS, atinge apenas o substituto que cobra e recebe o ICMS/ST por fora do preço, mas não o repassa ao Estado (substituição tributária para a frente). É atípica a conduta de omissão de recolhimento de ICMS próprio, ainda que embutido no preço. Isso porque o adquirente não é contribuinte deste imposto, não havendo aqui cobrança ou desconto de valor tributário. O contribuinte apenas paga o preço total da mercadoria, não possuindo sujeição alguma perante o Fisco. Em resumo, não se pode confundir dever jurídico-tributário que recai sobre o empresário-contribuinte com o mero ônus econômico que é suportado pelo adquirente”.

No entanto, com a devida vênia ao respeitoso CNPGEDF, mantenho-me coerente a meu voto – vencido – proferido no RE-RG 574.706, e compreendo que os elementos normativos descontado e cobrado não se aplicam, no caso em tela, para fins de imputação do delito de apropriação indébita tributária.
Assim, verifico que os recorrentes foram denunciados por uma conduta atípica (não recolhimento de ICMS devidamente declarado por comerciante ou empresário, embutido no preço por mera repercussão econômica ao consumidor), ou seja, sem a devida descrição de uma situação fática que esteja no espectro de alcance do preceito normativo previsto no tipo penal do art. 2º, inciso II, da Lei 8.137/1990.
Não resta dúvida de que o contribuinte que devidamente declara o ICMS apurado e, por qualquer o motivo ou circunstância, não o recolhe, não poderá responder por crime algum.
Já no voto do Ministro Marco Aurélio, colho recortes com precisão cirúrgica, que aponta trechos da decisão em total descompasso com nosso ordenamento:

Ao contrário, nessa peça primeira, apontou-se, com todas as letras, que a contribuinte – e acionaram-se os dirigentes – procedeu à escrituração devida do tributo. E sabe-se que o ICMS não é cumulativo e que, portanto, gera, no âmbito da empresa, uma verdadeira conta, na qual se insere, para que realmente o tributo não seja cumulativo, o que recolhido na operação anterior, aqui em termos de insumo, e o que devido na saída – na comercialização, melhor dizendo – do produto final. Apontou-se que a empresa não promoveu a quitação no prazo assinado no regimento, no regulamento do ICMS do Estado de Santa Catarina. Em síntese não promoveu o recolhimento da diferença encontrada, presentes créditos e lançamentos do tributo, lançamentos a partir do que devido, considerada a mercadoria final. Apontou-se que se deixou de recolher o correspondente a cerca de dezesseis mil, seiscentos e dezessete reais e sessenta e nove centavos, valor atualizado à época da propositura da ação visando cobrar dívida civil, chegando-se a trinta mil, quatrocentos e sessenta e três reais e cinco centavos.

Em primeiro lugar, o que nos vem da Constituição Federal? Vem-nos que não há prisão por dívida civil, a não ser no caso do verdadeiro depositário infiel, não do depositário alusivo à alienação fiduciária, e de inadimplemento inescusável de prestação alimentícia.

Aprendi, desde cedo, Presidente, que preceito a encerrar exceção apenas pode ser interpretado de forma estrita. É o que se contém na exceção, e não se tem, na Lei das leis, exceção quanto à dívida para com o
Fisco.

O Ministério Público colocou, em segundo plano, a premissa de que, no caso de dívida ativa da Fazenda, deve o Estado, deve a Fazenda, promover o executivo fiscal. Não pode a Fazenda, em parceria esdrúxula com o Ministério Público, partir para o ajuizamento de ação penal.

A Lei nº 8.137 está em vigor desde 1990, e é a primeira vez que me defronto com situação concreta em que se tem ação penal para cobrar dívida fiscal. Até que demonstrem o contrário, Presidente, tenho o tipo do inciso II do artigo 2º da Lei nº 8.137/1990 como formal, já que encerra ato omissivo do destinatário da norma.

Presidente, não posso deixar de fazer justiça ao Colega que atuou, na primeira instância, no julgamento do que acredito seja inusitado, uma ação penal fazendo as vezes de executivo fiscal. O que lançou o Colega, creio que titular na Comarca de Brusque, em Santa Catarina? Lançou que não se poderia interpretar o inciso II do artigo 2º da Lei nº 8.137/1990 analogicamente, para apanhar fato não contemplado no preceito, preceito a revelar que constitui crime da mesma natureza, que é o crime alusivo ao tributo, deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social descontado – quanto à referência à contribuição social, tem-se hoje até o artigo 168-A do Código Penal – ou cobrado na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos.
José Paulo Baltazar Junior, juiz federal, em obra abordando os crimes federais, comentando o dispositivo legal em questão, ensina que:
“Em relação ao ICMS, que é, usualmente, cobrado ‘por dentro’, ou seja, inclusão no preço, ao contrário do IPI, que é destacado ou cobrado por fora, o crime ocorreria apenas nos casos de substituição tributária (Bellucci, 1994: 111). Mesmo nesses casos, porém, o crime é de difícil ocorrência, pois o recolhimento do tributo dar-se-á diretamente para a Fazenda, não havendo desconto propriamente.”
Jamais este Tribunal assentou que, em se tratando de débito fiscal, tem-se a possibilidade, pela existência, simples existência de um débito fiscal, de partir-se para a glosa penal. E em Direito, Presidente – a atuação do Supremo é atuação vinculada ao Direito positivo, vinculada principalmente à Constituição Federal, da qual ele é guarda –, o meio justifica o fim e não o fim ao meio. Não cabe, no caso, discurso simplesmente moral, a partir da sonegação; não cabe, no caso, discurso estatístico quanto ao que se deixa de recolher aos cofres públicos; não cabe, no caso, para fixar-se o critério de plantão, porque estranho ao arcabouço normativo, principalmente ao constitucional, dizer da insuficiência de caixa, tendo presentes os serviços essenciais a serem prestados pelo Estado.
Justificativas financeiras, estatísticas e premissas equivocadas não autorizam o julgador a tipificar conduta atípica, sem ainda dizer da vedação constitucional da prisão civil por dívida, conforme inciso LXVII do art. 5º da CF/88 , salvo o caso do devedor de alimentos, quando não injustificável.

IV – DOS DEMAIS PRINCÍPIOS

Não resta dúvida de que o direito penal é a última ratio, não podendo ser banalizado por qualquer que seja o titular da pretensão da ação. Não pode o fisco em parceria com o MP – Ministério Público, por meio de ação penal, buscar créditos fiscais (dívida civil), em vez de propor a adequada medida executiva.
O direito penal é para punir condutas tipificadas e não para coagir contribuinte inadimplente de tributo devidamente declarado a fazer o recolhimento ou mesmo parcelá-lo.
O STF, com base na proibição de prisão por dívida civil, estabelecido no inciso LXVII do art. 5º da CF/88, já decidiu , no julgamento dos RE 466343 e 34903, inclusive revogando a Súmula 619, in verbis:

SUMULA 619-
A PRISÃO DO DEPOSITÁRIO JUDICIAL PODE SER DECRETADA NO PRÓPRIO PROCESSO EM QUE SE CONSTITUIU O ENCARGO, INDEPENDENTEMENTE DA PROPOSITURA DE AÇÃO DE DEPÓSITO.
Data de Aprovação – Sessão Plenária de 17/10/1984.
Fonte de publicação
DJ de 29/10/1984, p. 18115; DJ de 30/10/1984, p. 18203; DJ de 31/10/1984, p. 18287.
Referência Legislativa
Código Civil de 1916, art. 1287. Código de Processo Civil de 1939, art. 945. Código de Processo Civil de 1973, art. 666.
Observação
A Súmula 619 foi revogada no julgamento do HC 92566 (DJe nº 104 de 05/06/2009).
Precedentes
RHC 58005 Publicações: DJ de 12/08/1980 RTJ 95/1073 RE 86311 Publicações: DJ de 11/08/1978 RTJ 89/220 RE 88884 Publicações: DJ de 31/03/1978 RTJ 86/354 RHC 55271 Publicações: DJ de 26/08/1977 RTJ 85/97 RHC 49752 Publicações: DJ de 05/05/1972 RTJ 63/624.
fim do documento

Observa-se que Súmula 619, acima transcrita, é anterior à atual Magana Carta. Não é crível que, com a promulgação da atual Constituição e inclusive com revogação de súmula, a Suprema Corte mantenha decisão contrária a todo ordenamento e à jurisprudência já pacificada.
O STF, por meio da súmula 323, desde 13/13/1963, pacificou o entendimento que não é permitido ao fisco a apreensão de mercadoria como meio coercitivo para o contribuinte recolha o tributo:

SÚMULA 323 –
É INADMISSÍVEL A APREENSÃO DE MERCADORIAS COMO MEIO COERCITIVO PARA PAGAMENTO DE TRIBUTOS.
Data de Aprovação – Sessão Plenária de 13/12/1963.

Se o motivo da apreensão é obrigar o recebimento do tributo, tal prática não é permitida. Assim, é incontestável que a prisão pelo não recolhimento de ICMS também é ilegal.
O STJ, por meio da Súmula 430, assentou o entendimento de que o simples inadimplemento não gera por si só responsabilidade dos sócios, vejamos:
SÚMULA 430 – STJ
O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente.

O posicionamento do STF é categórico quanto à proibição da prisão por dívida, vejamos:
Súmula vinculante 25
Enunciado
É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.
VINCULANTE
Data de Aprovação
Sessão Plenária de 16/12/2009
Fonte de publicação
DJe nº 238 de 23/12/2009, p. 1. DOU de 23/12/2009, p. 1.
Referência Legislativa
Constituição Federal de 1988, art. 5º, LXVII e § 2º. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de S. José da Costa Rica), art. 7º, § 7º. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, art. 11.

A melhor doutrina é unânime quanto à proibição de prisão por dívida, vejamos:
Esta situação contraria de forma cabal os direitos fundamentais gravados na Carta Política, bem como nos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos dos quais o Brasil é parte, pois mantém a nefasta coerção estatal representada pela ameaça de prisão civil por dívida, afastada definitivamente pela Súmula Vinculante nº 25 do Supremo Tribunal Federal: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.” Assim, com a proposta de súmula tendo sido julgada pelo plenário da Suprema Corte em dezembro de 2009, proibiu-se a única forma de prisão civil que restava em nossa Constituição, além da dívida de alimentos de caráter voluntário e inescusável, a qual permanece em vigor.
Para decidirem, os Ministros da Corte Máxima basearam-se na Constituição Federal, na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e no Pacto Internacional sobre Direito Civis e Políticos.
Ziembowicz, Rodrigo Luís. Crimes Tributários: Extinção da punibilidade e sonegação (Coleção UCB) (p. 42). Almedina Brasil. Edição do Kindle.
Cabe colocar em relevo, inclusive, que o débito fiscal não significa apenas uma dívida civil (de caráter obrigacional), merecendo a guarida penal gravada nos tipos penais tributários, conforme análise que será realizada posteriormente, inclusive quanto ao bem jurídico sob proteção, que ostenta dignidade penal. Entretanto, a legislação atual e o entendimento da Suprema Corte brasileira admitem que o pagamento do débito tributário a qualquer tempo leve à extinção da punibilidade nos crimes fiscais, mesmo que o criminoso pratique uma conduta prevista na legislação penal (como uma falsidade ou uma fraude), ensejando a dedução lógica de que a punibilidade tem por origem a falta de pagamento, despojando o bem protegido da sua dignidade penal, promovendo uma proteção deficiente deste e restringindo “[…] a questão a mera prisão por dívida.” (STOCO, 2016, p. 175).

Nesse caminho, Silveira (1996, p. 138) anotou que “[…] o Direito Penal tutela valores sociais importantes, não devendo, assim, servir a interesses meramente arrecadadores do Estado […]”. Após, acrescentou que o sistema penal deve ser empregado para proteger os direitos relevantíssimos, e que o “[…] interesse único e exclusivo de coagir, de ameaçar, para que se contribua, não se coaduna com os seus primados.”
Ziembowicz, Rodrigo Luís. Crimes Tributários: Extinção da punibilidade e sonegação (Coleção UCB) (pp. 43-44). Almedina Brasil. Edição do Kindle.

Não são poucas as boas lições quanto ao uso indevido da ação penal para exigir pagamento de tributo, vejamos:
Alguns autores sustentam que o art. 2º, inc.II, da Lei 8.137/90 afronta a Constituição por determinar a prisão do inadimplente, como observamos no magistério de Hugo de Brito Machado119: Realmente, a Constituição estabelece que ‘não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel’. Como ensina Celso Ribeiro Bastos, nos tempos modernos já não se aceita mais prisão do devedor inadimplente, sendo cabível, em seu lugar, a execução do patrimônio do responsável por dívida. Definir como crime o não-pagamento de uma dívida, e com isto contornar o obstáculo constitucional consubstanciado na norma que veda a prisão civil por dívida, constitui verdadeiro abuso contra as liberdades públicas, públicas, praticado pelo legislador, contra aquele que, no mais das vezes em razão de circunstâncias alheias a sua vontade, deixa de pagar impostos. (Grifo nosso)

No que se refere à alegação de inconstitucionalidade, destacamos – inicialmente – a doutrina de Paulo José da Costa Jr. contrário ao entendimento que sustenta ser o não pagamento dos débitos declarados relativos ao ICMS configura crime previsto no art. 2º, inciso II, da Lei 8.137/90:
a crueldade desse entendimento doutrinário só é comparável às decisões prolatadas pelos tribunais medievais. Não é admissível que algum contribuinte possa ser processado e punido pelo fato de não ter recolhido aos cofres públicos, no vencimento, imposto que declarou regularmente ao Fisco e só não pagou por não dispor, no seu caixa, de disponibilidades financeiras. (Grifo nosso)
Levorin, Marco Polo. Delitos tributários e delitos financeiros (p. 75). Paco e Littera. Edição do Kindle.

Feitas estas breves citações doutrinárias, não há outra conclusão senão a de que o Estado (fisco) busca, por meio de ação penal, o recebimento de crédito tributário. Para o caso em análise, não se aplica o inciso II do art. 2º da Lei 8.137/1990, pois se refere a tributo RETIDO, o que não é o caso do ICMS. Só caberia para o contribuinte do ICMS na condição de substituto tributário (ICMS ST).

V – CONCLUSÃO

Vejam que, no mínimo, há contradição na própria fundamentação da decisão, possibilitando a prisão por débitos devidamente declarados, contrariando todos os enunciados já apontados – CPC . Como pode ser sonegação se o próprio denunciado (contribuinte) declarou ao fisco? Quem declara não sonega, e quem sonega não declara.
A incoerência da decisão nos leva a crer que o contribuinte que sequer declarou o valor do tributo ao fisco (sonegou) e, em caso de que possa ser fiscalizado, poderá ainda apresentá-lo (declará-lo) ao fisco, e utilizar o instituto da denúncia espontânea, conforme art. 138 do CTN – Código Tributário Nacional:
Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração.
Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração.

Vejam que a não declaração pelo contribuinte, leva o fisco à obrigação de fazê-la de ofício e, sendo apurado valor devido, poderá aplicar multa de ofício e outras penalidades administras se previstas no regulamento do ICMS daquele Estado.
Já aquele que declara corretamente e, por motivos alheios a sua vontade (crise econômica por exemplo) não recolhe (não paga), é objeto de ação penal? Podendo, inclusive, ser preso? Tal posição do STF leva-o à conclusão que se for declarar e não tem condições de pagar, é melhor não declarar e, somente declarar após ao ter realizado o pagamento ou que tenha condições de parcelá-lo.

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NATAL MORO FRIGI
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