A Lei Complementar nº 214/2025 (LC 214/2025) representa um marco na legislação tributária brasileira ao instituir o IBS e a CBS, pilares da Reforma Tributária. Para as empresas do comércio de alimentos, sejam varejistas ou atacadistas, compreender as novas regras sobre o aproveitamento de créditos é crucial. A sistemática de apuração desses novos tributos, baseada na não cumulatividade plena, impacta diretamente a formação de preços, a competitividade e a gestão do fluxo de caixa. A nova lei busca simplificar o sistema e garantir que o ônus tributário não se acumule ao longo da cadeia produtiva, um princípio de extrema relevância para um setor com margens competitivas e alto volume de transações como o alimentício.
O que Mudou com a Lei Complementar nº 214/2025?
A LC 214/2025 institui formalmente o IBS, de competência compartilhada entre Estados e Municípios, e a CBS, de competência da União. Estes tributos são concebidos sob o princípio da neutralidade, que visa evitar distorções nas decisões de consumo e na organização da atividade econômica.
Para o comércio de alimentos, uma das mudanças mais significativas é a transição de um sistema complexo e fragmentado (ICMS, PIS/COFINS) para um modelo de imposto sobre valor agregado (IVA) dual, com regras unificadas em todo o território nacional. A sistemática de creditamento, que antes possuía inúmeras restrições e gerava litígios, foi redesenhada para assegurar uma não cumulatividade ampla e efetiva.
Direito ao Crédito de IBS e CBS: A Garantia Fundamental ao Contribuinte
O ponto central da não cumulatividade na LC 214/2025 é o direito do contribuinte de se creditar dos tributos incidentes nas suas aquisições.
A lei estabelece uma garantia fundamental: a apropriação do crédito está condicionada à comprovação da operação por meio de documento fiscal eletrônico idôneo e à extinção do débito da operação anterior, mas protege o adquirente de boa-fé contra a inadimplência de seu fornecedor.
O Artigo 48 da LC 214/2025 é o dispositivo-chave que materializa essa proteção. Ele dispensa o requisito de extinção do débito para fins de apropriação dos créditos caso as modalidades de recolhimento automático (como o split payment) ou o recolhimento pelo adquirente não tenham sido implementadas. O texto legal dispõe:
Art. 48. Ficará dispensado o requisito de extinção dos débitos para fins de apropriação dos créditos de que trata o caput do art. 47 desta Lei Complementar, exclusivamente, se não houver sido implementada nenhuma das seguintes modalidades de extinção: I – recolhimento na liquidação financeira da operação (split payment), nos termos dos arts. 31 e 32 desta Lei Complementar; ou II – recolhimento pelo adquirente, nos termos do art. 36 desta Lei Complementar. Parágrafo único. Na hipótese de que trata o caput deste artigo, a apropriação dos créditos ficará condicionada ao destaque dos valores corretos do IBS e da CBS no documento fiscal eletrônico relativo à aquisição.
Isso significa que, se o sistema de recolhimento automático no momento do pagamento (split payment), que visa garantir a arrecadação na fonte, não estiver operacional, o contribuinte adquirente poderá se creditar do imposto destacado na nota fiscal, independentemente de o seu fornecedor ter efetivamente recolhido o IBS e a CBS. Trata-se de uma inovação que rompe com a jurisprudência restritiva e os litígios históricos relacionados à “inidoneidade” do fornecedor, que tanto penalizavam as empresas.
O princípio geral para o creditamento está no Artigo 47:
Art. 47. O contribuinte sujeito ao regime regular poderá apropriar créditos do IBS e da CBS quando ocorrer a extinção por qualquer das modalidades previstas no art. 27 dos débitos relativos às operações em que seja adquirente, excetuadas exclusivamente aquelas consideradas de uso ou consumo pessoal, nos termos do art. 57 desta Lei Complementar, e as demais hipóteses previstas nesta Lei Complementar.
A condição é a extinção do débito, que pode ocorrer por diversas modalidades, incluindo o pagamento pelo contribuinte, pelo responsável, ou pelo recolhimento automático (split payment). A combinação desses artigos assegura que o sistema, por padrão, garantirá o recolhimento, mas, na sua ausência, o direito de crédito do adquirente de boa-fé será preservado.
Neutralidade Tributária e a Não Cumulatividade na Prática
O princípio da neutralidade, previsto no Artigo 2º da lei, é o pilar que sustenta a não cumulatividade ampla. Ele determina que a tributação não deve interferir nas decisões de produção e consumo. No comércio de alimentos, isso se traduz no direito de creditar-se de todo IBS e CBS incidente nas aquisições de mercadorias para revenda, insumos, embalagens, energia elétrica e outros bens e serviços essenciais à atividade, exceto aqueles de uso e consumo pessoal.
Conforme o Artigo 47, § 3º, o direito ao crédito se aplica inclusive nas aquisições de fornecedores optantes pelo Simples Nacional, garantindo a fluidez da cadeia econômica:
Isso resolve um gargalo histórico do sistema anterior, onde créditos de empresas no Simples Nacional eram limitados ou inexistentes, desestimulando transações entre regimes tributários distintos.
Impactos Práticos para o Comércio Varejista e Atacadista de Alimentos
Para as empresas do setor alimentício, as novas regras trazem os seguintes impactos diretos:
Art. 134. A realização de operações sujeitas a alíquota reduzida não acarretará o estorno, parcial ou integral, dos créditos apropriados pelo contribuinte em suas aquisições, salvo quando expressamente previsto nesta Lei Complementar.
Conclusão – Assegurando as Garantias do Contribuinte
A Lei Complementar nº 214/2025 inaugura uma nova era para o aproveitamento de créditos de IBS e CBS, beneficiando diretamente o comércio de alimentos. A principal garantia é a proteção do adquirente de boa-fé, que não poderá mais ter seu direito de crédito obstado por falhas ou inadimplência de seus fornecedores.
A vinculação do crédito à existência de um documento fiscal idôneo, somada à previsão de mecanismos de recolhimento automático, transfere a responsabilidade da fiscalização do adquirente para o próprio sistema tributário, promovendo maior segurança jurídica. Empresários do setor devem se preparar para essa transição, ajustando seus sistemas para garantir a correta emissão e recepção de documentos fiscais eletrônicos, pois estes serão a chave para o pleno aproveitamento da não cumulatividade e para a competitividade de seus negócios no novo cenário tributário nacional.
Elogios, Críticas ou Sugestões
NATAL MORO FRIGI
Advogado Especialista em Direito Tributário, Especialista e Direito Penal e Processo Penal, Contabilista, Sócio Fundador da Tolentino & Moro Frigi Advogados Associados
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