A Recuperação Judicial de Empresas e as Amarras do Fisco


Este texto tem por objetivo fazer uma breve análise do instituto da recuperação judicial de empresas, sob a vigência da Lei n. 11.101/2005, com as alterações a ela acrescidas pela Lei. 14.112/2020 (era da covid-19). Porém, se faz necessária uma breve incursão histórica do instituto, voltando ao Século XX.

Na década de 40 do Século passado, o Brasil tinha dois instrumentos jurídicos destinados a reger a vida das empresas em dificuldades econômico-financeiras, ou seja, endividadas: Tratava-se da concordata e da falência. A primeira delas tinha por objetivo propiciar a recuperação da empresa, evitando-se a falência. A segunda (a falência) visava retirar do meio empresarial as empresas irrecuperáveis, para evitar que os efeitos da quebra da empresa gerassem insegurança no mercado. Em breve síntese, era isso que previa o Decreto-Lei n. 7.661, de 1945 (era Vargas). É um brevíssimo resumo.

Da Recuperação de Empresa no Século XXI
O ordenamento jurídico brasileiro, até o ano 2002 deste século, separava o Direito Civil do Direito Comercial. Este último disciplinado no velho Código Comercial de 1850, e o Direito Civil disciplinado no Código Civil de 1916, mas discutido no parlamento no Século XIX, sob fortíssima influência do Código de Napoleão (direito francês).

Contudo, em 2002 foi aprovado e sancionado um novo Código Civil (Lei 10.406), que unificou o direito civil com o direito empresarial, deixando no código comercial de 1850 apenas os institutos jurídicos relativos ao direito marítimo.

Enquanto isso, a disciplina da recuperação de empresas (concordata e falência) permaneceram regidas pelo velho DL-7.661/1945, vindo a ser regidas pela Lei n. 11.101, de 2005, que substituiu a concordata pela recuperação (extrajudicial e judicial) e reestruturou o instituto da falência, de modo a torná-lo compatível com as novas demandas do mundo empresarial.

Da Recuperação Judicial
De acordo com a nova lei, a recuperação pode ser extrajudicial ou judicial. Neste texto vamos nos ater à recuperação judicial, pois a extrajudicial é menos utilizada. Apenas para situar melhor o leitor, a concordata era instituto unilateral, em que os credores não participavam do soerguimento da empresa.

A recuperação judicial, em palavras simples, de fácil compreensão, é um instrumento jurídico que a lei coloca à disposição da empresa em dificuldade econômico-financeira (endividamento) ou gerencial para renegociar com seus credores, com o objetivo de preservar a empresa, mantendo a unidade produtiva em ação, pagar as dívidas, garantir os empregos, pagar os tributos e abastecer o mercado, cumprimento com sua função social.

Desse modo, diz o artigo 47 da Lei n. 11.101/2005, que “A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a recuperação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.

Enquanto a concordata era unilateral, a recuperação judicial é instrumento bilateral, em que o plano de recuperação é resultado de negociação entre devedor e seus credores, submetido à apreciação do Poder Judiciário.

A regra de ouro da recuperação judicial é a preservação da empresa. Sem a preservação da empresa não há como se falar em recuperação judicial. Vale dizer. Qualquer empecilho à preservação da empresa desnatura, impede a recuperação judicial. A preservação da empresa está para a recuperação como a água está para a irrigação do plantio. Se faltar, nada se produz.

Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de dois anos, não seja falido (e, se foi, estejam declaradas extintas suas dívidas); não ter, há menos de cinco anos, obtido concessão de recuperação judicial; não ter, há menos de cinco anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial; não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos na lei de recuperação judicial e falência (art. 48, incisos I a IV, da Lei n 11.101/2005).

Deferido pelo juiz o processamento da recuperação judicial, acarreta suspensão: a) do curso da prescrição das obrigações do devedor, sujeitas à lei específica; b) das execuções ajuizadas contra o devedor (inclusive as dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitas à recuperação judicial); bem como proibição de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriundas de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial (LRF, art. 6º).

A finalidade (teleologia) da norma recuperacional visa evitar que o devedor seja desapossado dos bens essenciais à manutenção da empresa, como unidade produtiva, geradora de emprego, bem como recolhedora de impostos; para que seu ativo possa adquirir forças suficientes para suportar o passivo, até retomar a normalidade no mercado, em igualdade de condições com seus concorrentes.

Por isso, requerida a recuperação e apresentado o plano de recuperação aos credores, ficam suspensas as execuções contra o devedor, pelo prazo de 180 dias, prorrogáveis por igual prazo, para negociação com os credores submetidos à recuperação. Finda a prorrogação sem acordo, os credores poderão apresentar plano alternativo (LRF, art. 6º, §§ 4º e 4º-A).

Embora não esgotado o assunto, vamos nos ater às execuções fiscais, que são as vilãs da recuperação judicial, tendo em vista que o deferimento da recuperação judicial não tem o condão de suspendê-las contra o devedor em recuperação. Eis aí o grande empecilho da recuperação judicial.

É de sabença comum que toda empresa em dificuldade econômico-financeira tem passivo fiscal com a União (e Estados, inclusive municípios). A explicação consiste no fato de que se a empresa atrasar o pagamento de fornecedores quebrará, por falta de estoque. É simples assim. Ao passo que a dívida fiscal (tributária) pode ser paga à medida que ingressar recursos financeiros, capazes de potencializar o fluxo positivo de caixa da empresa.

Contudo, o § 7º-A do art. 6º da Lei n. 11.101/2005 (LRF) diz que a suspensão do prazo de prescrição e das execuções ajuizadas contra o devedor, bem como a proibição de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriundas de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial (LRF, art. 6º, I, II e III) não se aplica às execuções fiscais. Mas o juízo da recuperação poderá (ou deverá) determinar a substituição de constrição (arresto, penhora etc.) que recaia sobre bens (estabelecimento, estoque, equipamentos, máquinas) essenciais à manutenção da atividade da empresa até o encerramento da recuperação judicial.

A questão que se põe é a seguinte: E se o devedor não tiver bens sobre os quais deva recair a substituição da constrição judicial (arresto, penhora etc.), como poderá/deverá o juízo contornar essa situação, de modo a não inviabilizar a recuperação judicial da empresa/empresário?

Esta é uma situação não disciplinado à contento pela Lei n. 14.112/2020 que, a nosso ver, constitui um empecilho à recuperação judicial, que se mostra tão necessária nesse momento de crise sanitária e econômica, com a retomada do processo inflacionário, a desvalorização da moeda nacional, a queda do consumo das famílias e uma taxa de desemprego recorde, na casa de quinze por cento.

Em um cenário como esse, muitas e muitas empresas/empresários, se não se socorrerem da recuperação judicial, talvez não sobrevivam até a retomada da economia nacional, no próximo governo, sob novas perspectivas, com outros atores governamentais, não importa quais sejam. Precisamos de esperança, de novos rumos e caminhos do País e da economia.

Não esgotamos o tema – nem poderíamos – , apenas lançamos uma breve reflexão sobre o instituto jurídico da recuperação judicial de empresa que, apesar das lacunas, nos parece ser o caminho para a empresa/empresário em dificuldade, nesse momento de crises de toda natureza, sem um horizonte próximo que aponte para soluções melhores, a curto e médio prazos.

Paulo Rodrigues da Silva

Consultor e Parecerista.

Advogado no Tolentino & Moro Frigi advogados associados

Pós-Graduando em Recuperação de Créditos Tributários e Previdenciários

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